terça-feira, 13 de outubro de 2015

Pokémon GO!: a experiência contemporânea do museu


 


“O  mais profundo encantamento do colecionador
é trancar o objeto único em um círculo mágico de
proteção no qual ele, enquanto é trespassado pelo
último arrepio - o arrepio de ser adquirido -, se congela”.
Walter Benjamin, 1931.

A geração que passou sua infância nos anos 90, entre as ruas e as telas (da televisão e da internet discada), sentiu no anime Pokémon (1997) um prenúncio da mistura entre os dois ambientes. Vinte anos depois, a empresa por trás do anime anuncia com Pokémon GO! o cumprimento da sua própria profecia. A internet está na rua, terceiro nível de natureza, depois dela própria e do mundo modernizado. A rua está na internet, planificada como mais um de seus infinitos mundos bidimensionais (sem fundo, sem tempo). O logo do Google Chrome - uma pokébola - e as habilidades catalogadoras dos smartphones exemplificadas no Google Goggles - uma pokédex - anunciavam que o mundo de Pokémon participava do imaginário coletivo não apenas dos usuários, mas dos próprios programadores de tecnologia - e, portanto, de real.
    A virtualidade do mundo de Pokémon, a capacidade de transformar tudo, principalmente criaturas, em informação capturável (raio vermelho dentro da já citada pokébola) tem como equivalente na economia crítica o valor de troca, a capacidade de igualar coisas diferentes sob a abstração da moeda. Com o mesmo apetite do protagonista Ash pela captura de todos os Pokémon, em sua variedade de tipo e poder, caminha nosso contemporâneo com seu celular na mão, transformando em informação reprodutível as obras de arte, de gêneros e importâncias variados, em exposição no museu. Pouco importa se existem milhares de fotos profissionais disponíveis do quadro a ser fotografado: Gotta catch’em all! Um pokémon do tipo fogo pode ser útil contra um pokémon planta, assim como a foto do quadro “O abraço amoroso entre o Universo, a Terra (México), Eu, o Diego e o Senhor Xólotl” (1949) de Frida Kahlo, tirada em exposição no Tomi Othake, pode ser útil em um jantar com amigos em Pinheiros.
    O músculo da memória é tão treinado por este tipo de fotógrafo quanto as pernas do motorista. Não é apenas a textura da pincelada que é achatada em pixels, mas a lembrança do encontro daquele corpo com aquele objeto naquele momento. A experiência é substituída por seu testemunho. O visitante do museu com sua câmera na mão não é como o velho colecionador, obcecado pelo caráter único do seu objeto, mas um mestre Pokémon. (A adição recente nos jogos de Pokémon especiais, shinys, raros, aleatórios, na medida em que o software o permite, é prova da pobreza que se tenta suprir). A aumentação da realidade é sua diminuição, pois limita o mundo àquilo que colocamos nele. A informatização promete acesso ao infinito, a partir da tradução do analógico em digital, ao mesmo tempo em que arranca talvez nossa única ligação verdadeira com ele: o acaso. Mas nada está perdido porque o acaso é brincalhão: ele continua sendo o Pokémon mais desejado no mundo virtual, não Porygon (essência de todos os outros), mas um glitch.

4 comentários:

  1. Gostei muito, Tomaz! Logo depois do anúncio, muitas questões que você colocou - evidentemente inconclusas e a anos-luz do acabamento que você deu - me assaltaram! Suas palavras eram justamente as que eu precisava ler sobre o assunto!

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  2. Oi Alê, muito obrigado pela leitura! Assim que o jogo sair, com certeza vamos ter muito mais para pensar. Já sobre a terceira natureza: é isso aí, aprender a sobreviver nela ou a ela. Abraço!

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  3. Tomaz ! Texto maravilhoso. Se eu fosse sagaz ganharia dinheiro fazendo uma pokedex de museu e que não parecesse uma idéia barata. Ficou uma dúvida sobre a analogia porygon e glich, que eu não fiquei nem perto de entender. Me ajuda?

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    1. Oi Ivo,

      Obrigado pela leitura. Propus o Porygon (que é um Pokémon virtual, no desenho e nos jogos) como uma metáfora: todos os pokémon são iguais, código, porygon. Já um glitch, termo da computação e de jogos para defeitos e erros no programa que produzem resultados inesperados, seria um acontecimento fora do controle e do previsto nas plataformas. Este, sim, é algo a ser buscado e colecionado, o mais raro, na beira da logica que prevê tudo menos ele. É uma metáfora mas é também real. Na primeira geração dos jogos havia um pokémon secreto, o 151, resto de código de programação, que os jogadores descobriram depois. Enfim, é um tipo de milagre dentro do tecnológico. Abraço!

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