“So when I look back on my career, it’s sort of like being a polka musician for a while and then seeing polka music become cool. (To polka fans who are offended at the suggestion that polka is uncool, I apologize.) When I first entered the field, I did so with the expectation that I could only ever reach a niche readership. Now it seems like there’s the potential to reach a more general audience”.
Ted
Chiang é considerado um dos mais importantes escritores
contemporâneos de ficção científica. Sua obra é relativamente
pequena dada sua importância: são aproximadamente quinze contos e
pequenas novelas, publicados originalmente em revistas especializadas
e alguns deles compilados no volume intitulado “Stories of Your
Life and Others” (publicado recentemente no Brasil como “Histórias
da sua vida e outros contos”).
Sua obra alcançou o grande público em 2016 quando o conto
“Histórias da sua vida” foi adaptado em uma grande produção
cinematográfica sob o título de Arrival
(“A
Chegada”), com recepção entusiasmada de crítica e público.
Embora Chiang seja tomado como escritor de ficção científica,
talvez fosse possível falar de literatura fantástica, num sentido
mais amplo, já que suas histórias não tratam apenas de cenários
futurísticos, mas também de contextos passados ou míticos, ainda
que a tecnologia e suas relações sociais sempre desempenhem papel
fundamental. Não se trata tanto de exercícios de especulação
futurista, utópica ou distópica, mas de experimentação técnica
nos mais diversos contextos. Convivem, ainda que em contextos
diferentes, os golens da tradição medieval judaica e os ciborgues
quase incompreensíveis para os humanos num futuro próximo, a Torre
de Babel que se tenta (mais uma vez!) construir na Antiguidade e um
mundo contemporâneo assombrado/abençoado pela aparição súbita de
anjos. Aliens surgem no contemporâneo para dar aula de linguística
e filosofia da história, mais ou menos ao mesmo tempo em que uma
matemática se desespera com uma descoberta lógica terminal.
Se
for possível, então, falar de literatura fantástica, talvez também
se possa dividi-la em dois tipos. Um primeiro, dedicado à descrição
de cenários declaradamente não realistas, constituídos por
elementos imaginários não existentes no mundo dito real como
lugares, linhas temporais alternativas, espécies, tecnologias,
elementos místico-religiosos, etc. Trata-se de uma literatura mais
autorreferencial, mais preocupada com a constituição de um mundo
alternativo do que em relacionar seus elementos fantásticos como o
mundo externo. Seu tom muitas vezes escapista, faz com que grande
parte sua difusão se dê em nichos infantojuvenis, ainda que não
exclusivamente. Exemplos populares deste tipo de ficção são os
mundos de Tolkien, Rowling, etc. O segundo tipo, onde parece estar
localizada a obra de Ted Chiang acompanhada de influências claras
como Asimov, Borges e Kafka, usa seus elementos fantásticos como
experimentos a serem conduzidos com o maior realismo possível. Ainda
que os cenários estejam distantes do mundo do leitor, sua
apresentação durante o texto não segue uma lógica
autorreferencial independente, mas segue a lógica social mais
reconhecível. Em “Hell is the absence of God”, a estranha
aparição de anjos é tratada apenas secundariamente do ponto de
vista místico. Importa mais a relação quase econômica entre as
benesses e problemas produzidas por sua aparição, a forma com que
socialmente se trata do dado que é a existência de Deus, do Céu,
do Inferno, dos Anjos e de sua relação com o mundo social, para
além disso, normal, de palestrantes, jornalistas, marceneiros, etc.
A série Black
Mirror
trabalha
de forma semelhante, produzindo experimentos sociais a partir de seus
elementos tecnofantásticos, em oposição, por exemplo a séries de
ficção científica como Star Trek ou Star Wars. Evidentemente, toda
obra de ficção se refere, de alguma forma, à sociedade a partir da
qual é produzida. A diferença entre os dois tipos de literatura
fantástica talvez esteja na tentativa desesperada do primeiro em
escapar a esta influência, construindo um mundo (falsamente)
autônomo, enquanto o segundo utiliza seus elementos exógenos para
penetrar fundo como uma agulha no mais inconsciente e encoberto
ideologicamente da realidade. Eis o potencial crítico da literatura
fantástica (e do boom
recente
de bons livros, filmes e séries de ficção científica): fingir
apontar para longe, falando de algo que não toca imediatamente o
leitor, para, de súbito, fazê-lo olhar para o mais íntimo, até
então ignorado, de sua realidade. Num mundo cansado do noticiário e
da denúncia social, a literatura fantástica parece conseguir
driblar o bloqueio. Chiang Fala da produção mística de golens na
Inglaterra pré-revolução industrial e clandestinamente acaba por
discutir questões urgentes de biopolítica e do risco de desemprego
generalizado pela automatização do trabalho.
Em
“História da sua vida”, conto que dá título ao volume, a
chegada de gigantescas naves alienígenas na Terra e a tentativa de
estabelecer contato com elas não abre espaço para uma descrição
exotizante do mundo alien e seu funcionamento distante (e seguro,
para o leitor). A aparição é tratada como oportunidade de reflexão
sobre as concepções temporais inscritas profundamente em nossas
línguas e a possibilidade experimental, possibilitada por esta
alteridade tecno-histórica, de compreender e expressar o tempo de
outra maneira que a não a causal, homogênea e fracionada da
contemporaneidade. O conto de Ted Chiang alcança grandes altitudes
literárias não apenas por especular criativamente outras formas de
compreender e contar o tempo, mas por se utilizar com maestria das
próprias possibilidades formais da literatura. As possibilidades de
compreensão temporais abertas pelo aprendizado da língua alienígena
pela linguista narradora não são descritas de forma causal e
corrida, mas estruturam a própria ordem narrativa. Ao invés de
dizer o que a protagonista aprendeu, Chiang a utiliza como narradora
mostrando ao leitor sua nova forma simultânea de organizar a
experiência temporal. Não do começo para o fim, nem sua inversão,
já batida em formas narrativas da indústria cultural, mas em uma
totalidade conhecida desde o começo e compreendida (ou relembrada,
talvez se pudesse dizer...), apenas no final, performando ao máximo
possível na própria forma do texto. O embaralhamento dos tempos na
narrativa não surge como gosto pelo pitoresco ou vanguardismo, mas
como experimentalismo exigido pela própria dinâmica da narrativa.
Trata-se, sem dúvida, de uma pequena obra prima do conto
contemporâneo.