terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Baobá, o blog como forma de coletânea

 
(Foto de José Manuel Lima da Silva)


    As formas literárias mudam, assim como a forma com que elas são compiladas e a importância dada aos seus autores individuais. As formas de compilação têm um impacto fundamental na produção das próprias obras. Um poema será composto de forma diferente caso tenha que ser decorado, como em uma cultura não letrada, caso seja armazenado junto a poemas de outros autores, como na forma de coletânea, cancioneiro, etc, ou caso componha parte de um ciclo de poemas do mesmo autor, como é o caso mais comum nos últimos séculos. Decisões formais fundamentais como a sonoridade e o ritmo dependem bastante da mídia e do contexto em que as obras serão recebidas. Decisões temáticas como a intertextualidade dependem da vizinhança literária, da constelação na qual se inserirá o poema ou a obra poética. Pode-se imaginar, por exemplo, dois polos, entre os quais pende a obra: de um lado, o hermetismo do poema virado sobre si mesmo que apresenta ele mesmo os elementos mais importantes aos quais irá se referir; do outro lado, a conectividade do poema que se lança para fora, colhendo na tradição ou no jornal, por exemplo, os elementos que manipulará.
O blog autoral de poemas talvez já se constitua como uma nova forma de coletânea. Como em geral não é pensado para estabelecer uma relação direta com outros poemas - como no caso do livro que fecha um momento ou um recorte temático na produção de uma poeta -, o poema precisa ser mais fechado sobre si mesmo, não pode depender tanto dos poemas anteriores e posteriores, ainda que estabeleça relação virtual com todos os poemas da poeta. O blog de poemas é uma versão aberta, ainda contínua, viva, das obras completas de uma poeta. Pode se relacionar com poemas de uma década atrás, assim como com poemas ainda não escritos. Exige menos do leitor comum, por oferecer o necessário em um único poema, mas exige mais do leitor interessado, que tem a sua disposição o movimento de uma vida inteira, com seus avanços, retrocessos e piruetas, para tentar dar sentido. Esta ambivalência também vale do ponto de vista da produção do poema: a poeta que tem em mente o conjunto de seus poemas percebe as variações de estilo e assim não tem pausa longa em nenhum. À medida que o tempo passa, as formas também deixam de emoldurar um coletivo reconhecível de poemas e acabam singularizando-se, nascendo e morrendo em um poema, ou em meio poema, produzindo uma sequência vertiginosa de estilos, de forma que o estilo se torna tão aberto quanto a forma da coletânea.
Escrever poemas que não farão parte de livro algum exige dos poemas uma solidez solitária, dedos fincados ao chão, ao mesmo tempo que um aceno longínquo como o que se dá a uma estrela cadente. Ao invés de uma mata fechada, entrecruzadas de teias verdes, cheia de espécies ancestrais e recém-surgidas, formigando de encontros, chocando-se até a simbiose, acotovelando-se com seus galhos magros carregados, densas de ramos e líquens, se estendendo por um longo território subterrâneo com as raízes sedentas e hidráulicas, fechando quase completamente o céu, absorvendo com as folhas mais altas, sempre crescentes, a luz do Sol, ao invés disto, grandes árvores isoladas, sentindo-se apenas de longe, baobás, levantando ao alto o pescoço, em direções esperançosas seus curtos braços, pesadas e majestosas em sua solidão

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