domingo, 1 de outubro de 2017

Bruno Itan: fotografia de vida, fotografia de guerra na Rocinha

Quem vê a fotografia de Bruno Itan se choca como se estivesse vendo uma montagem ao estilo de Banksy ou uma pintura ao estilo de Bosch. Em suas fotos mais recentes, que retratam a ocupação militar da Rocinha [galeria completa no final do texto], contexto e personagens não se misturam. Parece sempre haver um elemento deslocado, algo sobrando, uma presença alienígena, seja dos civis, invadindo cenários de guerra com seus corpos indefesos, seja de militares ocupando com suas armas e carapaças o cenário de um bairro comunitário. O estranhamento que a presença de tanques de guerra, helicópteros e soldados fardados carregando rifles produz no cotidiano de quem está indo comprar pão, buscar o filho na escola ou toca seu acordeom na sala de casa é capturado e apresentado com precisão por sua fotografia.
Bruno Itan, como morador do Complexo do Alemão, consegue mostrar o que muitas vezes se perde no noticiário tradicional: que se trata de uma comunidade viva, com pessoas reais, que têm seus compromissos e atividades como em qualquer outro lugar do mundo. São pessoas, vivendo suas vidas cotidianas – em um cenário que se tenta retratar sempre como “de conflito”, “de terror”, “em guerra”. A presença do exército em uma área civil produz imagens às quais os olhos não se acostumam com facilidade. A camuflagem não funciona nos tijolos marrons, nas lajes cinzas ou nas ruas de terra. A fiação da rede elétrica e dos gatos que saem dos postes não combinam com os rasantes dos helicópteros. Homens e mulheres de shorts em cima de motocicletas enfileiradas não parecem o adversário robusto para o qual estão preparados os tanques de guerra. Tampouco o pai que empurra a criança em um carrinho de bebês parece uma ameaça aos quatro soldados de capacete e fuzil que o cercam – não se sabe se para protegê-lo ou para vigiá-lo. Uma mulher se espreme contra a parede, tendo encontrado em seu caminho cotidiano para a manicure, para a padaria, para o trabalho, uma operação de guerra.
Não se vê nas fotos de Bruno Itan outras armas que não as do exército. Suas fotos levam imediatamente as perguntas: Como deve ser morar em um bairro em guerra? Como é possível haver uma guerra em um espaço tão pequeno como um bairro? Se é guerra, por que não se alastra para as outras zonas da cidade? Quem é o inimigo? O que dizem para os soldados da ocupação os grafites nas paredes das ruas que eles ocupam, com suas máscaras de Carnaval e pedidos de paz? Serão mensagens cifradas? De quem? Para quem? Um deles traz uma risada irônica diante do soldado que aponta sua arma: RS…
O fotógrafo Bruno Itan tem 29 anos, nasceu em Recife e com quase dez anos de idade se mudou para o Complexo do Alemão com a mãe, “em busca de uma vida melhor”. Seu trabalho fotográfico no Alemão e na Rocinha começou em 2007 – junto com a instalação das primeiras UPPs – e passa por uma vontade de retratar a comunidade a partir de dentro, dos olhos de quem mora nela. Para ele, a ocupação não trouxe mais sensação de segurança para os moradores. Isso viria da desconfiança dos militares contra os próprios moradores, considerados quase sempre, dos 12 aos 25 anos, como suspeitos, fazendo com que a maioria da juventude veja as tropas como seus inimigos. A única solução para o problema do crime seria não um investimento massivo em segurança militar, mas em programas comunitários de educação, saúde, esporte e lazer, disputando a geração que vem agora e que ainda não caiu nas garras do crime. Com dez anos de UPP, os jovens que hoje estão morrendo e matando eram ainda crianças. Se o trabalho social adequado tivesse sido feito, hoje não haveria essas cenas de guerra e estes jovens poderiam estar se dedicando, entre outras coisas, também à fotografia e ao jornalismo.
Bruno Itan acompanha a fotografia chamada “de guerra” e infelizmente também se considera um fotógrafo desse tipo. Sua preocupação, no entanto, é sempre retratar junto com esta dura realidade, o seu outro lado, o lado comunitário, com pessoas do bem que querem paz, curtindo as belas paisagens dos morros do Rio, as crianças empinando pipa, a vida comunitária, o pôr-do-sol etc., aspectos que, segundo ele, sempre faltam na representação violenta que a grande mídia faz da vida nas favelas. Ainda segundo ele, os moradores respeitam muito seu trabalho e se sentem representados por suas imagens. “É o que eles gostariam de mostrar”. Dos soldados, por outro lado, ele sente outro olhar: “Eles me veem com um olhar preconceituoso. Pela minha forma física, por eu ser jovem, magro, baixinho. A minha forma física parece muito com a dos jovens do tráfico. Eles ficam desconfiados de mim, com a câmera na mão e com a coragem de chegar lá perto deles. Eles ficam mais desconfiados de mim do que de outros fotógrafos”. Fotografando a realidade das favelas no Rio de Janeiro já há dez anos, Bruno tenta mostrar que lá onde alguns tentam retratar e produzir apenas guerra e violência, há vida.
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