quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Eterno presente em O filho eterno, de Cristovão Tezza


"Todos os personagens do filho são inesgotavelmente felizes. Mesmo os heróis lutadores batendo espadas sorriem enquanto lutam, caem e morrem, para renascerem sorridentes no próximo desenho".


Se o romance O filho eterno (2007), de Cristovão Tezza, não for tomado como auto-ajuda de alto nível, ou seja, se se puder analisá-lo para além do conteúdo emotivo do pai que abre seu coração (como nas Confissões de Rousseau, que ele cita de passagem) sobre sua relação com um filho portador de síndrome de Down, talvez se possa encontrar na forma do texto e na estrutura dos personagens uma contribuição interessante para compreender aspectos da experiência do tempo na contemporaneidade. A condição de Down, tratada pelo narrador a todo tempo como acontecimento fora do normal, permite ao narrador apresentar a configuração temporal de um presente eterno, desligado de um passado ou futuro distantes. O filho está condenado, sem saber, a tratar cada acontecimento como algo de novo ou inédito. "Peter Pan, viverá cada dia exatamente como o anterior - e como o próximo. Incapaz de entrar no mundo da abstração do tempo, a ideia de passado e futuro jamais se ramifica em sua cabeça alegre; ele vive toda manhã, sem saber, o sonho do eterno retorno". O filho encarna ironicamente o tempo do eterno retorno de Nietzsche, que o narrador tanto se vangloria de ter lido jovem. "O mundo que ele vê não é o nosso mundo. Ele não vê o horizonte; nem o abstrato, nem o concreto. O mundo tem dez metros de diâmetro e o tempo será sempre um presente absoluto". Mas não há algo de reconhecível nesta temporalidade? Esta temporalidade anormal, apresentada através do filho com Down, não é a temporalidade mais normal como experimentada cotidianamente?
O que é que é aparece repetidamente, sempre idêntica, mas tomada sempre como inédita, senão a forma da mercadoria (basta pensar na dinastia dos iPhone ou no eterno retorno de cada novo hit de música pop), a experiência do tempo sempre igual dentro trabalho alienado, o presentismo absoluto e repetitivo do noticiário, a substituição da memória pelo armazenamento, o déficit de atenção como substituto da capacidade de concentração, a redução da experiência social ao contato imediato e fugaz? A própria temporalidade do futebol, descrita com carinho no fim do livro, é a expectativa do inédito, do milagre do gol ou do grande drible, mas dentro de espaço-tempo de noventa minutos que se repete semanalmente. Este tempo anormal de Down, como apresentado no livro, não é o tempo mais normal desde a modernidade? A própria progressão dos capítulos marca a força deste presente eternizado: embora a história seja contada cronologicamente, do passado ao presente, com incursões esporádicas de memórias mais antigas, a maior parte do texto é narrado no tempo presente. Como se não fosse possível voltar ao passado a partir do presente, senão através de sua presentificação. É isto que dá ao romance uma certa fluidez temporal, quase como se os capítulos pudessem ser lidos independentes uns dos outros.
O narrador sem nome, que se constrói em relação ao filho, como pai do Felipe, se coloca a todo momento na temporalidade eterna do filho. Isto, no entanto, desde antes do seu nascimento. Não há uma relação causal entre a síndrome de Down e a experiência eternizada do presente, ao contrário do que afirma o narrador. A relação frustrada que ele mantém com a própria obra está num presente eterno: sempre escrevendo, sem nunca terminar. Sempre enviando para editoras e sempre recebendo negativas. Os textos são um contínuo work in progress e aqueles que ele porventura termina não são apresentados em sua forma final, fechada, mas passam imediatamente ao ciclo permanente de envio frustrado para editoras. Sua relação com os outros personagens do livro - com exceção do filho - segue a mesma circularidade: a mãe e a filha, os outros parentes, amigos e colegas de trabalho, o próprio guru abandonado, são tratados por este narrador da mesma forma, do começo ao fim do livro, em relações planas que não se desenvolvem, não se aprofundam, se mantém em uma dinâmica sempre igual. A fase final de sua vida, como funcionário público estabelecido e pai de família, é um elogio da rotina e da repetição: "Parece que o pai havia entrado em um outro limbo do tempo, em que o tempo, passando, está sempre no mesmo lugar. Uma estabilidade tranquila, uma das pequenas utopias que todos com um pouco de sorte vivem em algum momento de suas vidas. O poder maravilhoso da rotina, ele pensa, irônico. Transforma tudo na mesma coisa, e é exatamente isso que queremos. Mas há uma razão: o seu filho não envelhece". Contraditoriamente, no entanto, o único personagem que parece se desenvolver no tempo é o filho eterno. É ele quem força, sempre a contragosto, a figura do pai a um movimento mínimo. É ele quem é dinâmico através de todo o livro, desde os exercícios de desenvolvimento motor quando bebê, passando pelas fugas infantis até seu interesse em pintura, futebol, natação e namoradas quando mais velho.

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