terça-feira, 6 de outubro de 2015

Perdido em Marte: o fim do mundo é o fim da Terra?


Em “Há um mundo por vir?” (2014), Déborah Danowski e Viveiros de Castro analisam e comparam diversas representações sobre o fim do mundo em diferentes culturas. Da indústria cultural são analisados filmes de ficção científica que tratam, de alguma forma, sobre o fim da vida no planeta Terra: em especial, Melancolia (2011) e Gravidade (2013). A personagem meio Cassandra de Kirsten Dunst é taxativa no primeiro filme: só há vida na Terra - e por pouco tempo. A exploradora meio Ulisses de Sandra Bullock do segundo filme luta para sobreviver no espaço sideral e mostra na cena final do filme a relação necessária até agora entre a Terra e os terráqueos. A hipótese é a de que não há como sobreviver em outro lugar.
É uma pena que o livro tenha sido publicado antes do lançamento de outro filme hollywoodiano de ficção científica, Interestelar (2014), pois seu enredo parte do pressuposto oposto: a Terra foi tornada inabitável e para sobreviver como espécie precisamos encontrar outro planeta. Depois de peripécias físicas no estilo de Ítalo Calvino, o final feliz, na medida do possível, reivindica a possibilidade de que possamos, sim, ser humanos sem ser terráqueos. Stephen Hawking recentemente afirmou, na mesma linha, que se quisermos sobreviver como espécie precisamos encontrar outro lugar (deixando implícito, claro, que aqui já era). 
Perdido em Marte (2015) demonstra a segunda hipótese, de que se pode viver fora, confirmando a primeira, de que é preciso viver aqui. O astronauta interpretado por Matt Damon precisa sobreviver em Marte para aprender a viver na Terra, precisa aprender a sobreviver em um planeta deserto, futuro inóspito para o qual encaminhamos a Terra, para poder voltar e, como no fim do filme, ensinar os jovens a sobreviver. (A batata cultivada passa dos ameríndios, aos europeus, aos marcianos - e volta). Este astronauta abandonado em outro planeta é como o índio que Danowski e Viveiros de Castro apresentam no livro: um especialista em fim do mundo, dos raros que sabem como sobrevivê-lo.

3 comentários:

  1. testando (escrevi um comment e não publicou)

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  2. Bom, tento de novo, apesar dos problemas técnicos. O que dizia é que desconfio dessa narrativa pelos próprios termos nela colocados. Esse astronauta, que precisa aprender a viver em Marte para, segundo a sua hipótese, aprender a viver na Terra, não deixa de ser humano, para ser terrrano. Ao contrário, me parece, exacerba a sua identificação com a humanidade, ao superar, por meio da técnica, a natureza inóspita de Marte. O olhar sobre Marte, de uma natureza perigosa a ser dominada, se estende e confirma o que significa ser humano na terra. A natureza não deixa de ser algo a ser "outsmarted", a oposição humano x contexto não é minada, e continua a imposição do nome deserto para tudo aquilo que é ilegível. Esse astronauta, muito menos que um índio, me lembra Robson Crusoé.

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    1. Mari, obrigado por ler com atenção o texto. É o primeiro comentário deste blog-aventura e fico muito feliz que ele seja seu. Se for possível manter nesse nível, valerá muito a pena.
      Sobre o filme, entendo sua posição. O filme é no mínimo ambíguo na relação humano x técnica x natureza. (Talvez esteja aí uma das diferenças em trabalhar com produtos da indústria e obras mais autônomas - as últimas intensificam as contradições, os primeiros são molengas, ambíguos no sentido fraco, não aguentam o trabalho crítico). Apesar do esforço MacGyver do astronauta, o pressuposto do filme é: o que fazer quando a técnica falha, não dá mais conta, é superada pela força avassaladora da natureza? Assim, não é um filme tanto sobre superação da natureza, mas do reconhecimento de sua super-presença. A cena kitsch do primeiro broto de batata marciana sendo encontrado depois na Terra, momentos antes da primeira aula do astronauta para os jovens sobre como sobreviver, me parece, aponta para isso. Não há (apenas) um domínio técnico da natureza assustadora, há um reconhecimento assustado de sua inevitável grandeza e uma tomada de posição respeitosa, cautelosa, econômica em relação a ela. Mas você tem razão, tem também um elogio da técnica (no fim ele agradece ao roover, não às batatas). Ainda assim não é uma técnica triunfal (como Armagedon), é uma técnica mínima, de improviso, precária. Você também tem razão quando diz que ele não se torna terrano. (Esse talvez seja o caso de Avatar?) Longe disso. Mas há uma mudança na relação entre técnica e natureza no meio da qual está o corpinho frágil deste astronauta. É um outro tipo de sobrevivência.

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